Nada! Não pode nada! Durante os jogos, vou fechar a agência de conteúdo que dirijo e me retirar para baixo das cobertas. Prefiro isso a recomendar que as marcas que atendemos atuem esquizofrenicamente nas redes, fingindo que nada está acontecendo, que os 10 mil melhores atletas do mundo não estão brigando heroicamente por uma medalha, sob os olhares do mundo inteiro, bem aqui nas nossas barbas, no Rio de Janeiro. Os brasileiros dissertando nos bares sobre as regras do badminton ou roendo as unhas pelas meninas do Brasil na final do rugby feminino, e nossos clientes apelando só para o "Sapato: 40% Off".

Fechar a agência. Foi essa a vontade que tive na primeira meia hora da palestra dos advogados Paulo Gomes de Oliveira Filho e Mariana Galvão, na última quinta-feira, em Porto Alegre, promovida pela Abap-RS, a associação das agências de publicidade. Ainda bem que foi só na primeira meia hora. Depois, passou.

Porque os palestrantes são craques em Propriedade Intelectual. Mas também são craques em storytelling - devem ter aprendido com os clientes que atendem, grandes agências de propaganda. Começar a apresentação com as mil e uma restrições foi só para gerar uma sensação de desespero na plateia, para depois desfazê-la com um gran finale animador: casos e formas legais de se comunicar nas Olimpíadas, sem infringir o direito alheio e tampouco ficar alheio ao mood geral que deve tomar conta da Nação, seja ele qual for.

Baixe a circular do Sinapro sobre propaganda nas Olimpíadas

Por isso, vamos repetir a fórmula de sucesso dos palestrantes. E começar com o que você não pode mesmo. Até o fim de 2016, nem pense em usar em seus anúncios ou redes sociais, nem mesmo em publieditoriais, os termos  protegidos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Vai uma lista deles, elaborada pelo escritório Paulo Gomes de Oliveira Filho (PGOF).

  • Olímpico
  • Olimpíada
  • Jogos Olímpicos
  • Paraolímpico
  • Paraolimpíada
  • Jogos Paraolímpicos
  • Jogos Olímpicos
  • Rio 2016
  • Jogos Olímpicos e Paraolímpicos

Ah, mas as Olimpíadas foram inventadas na Grécia, são de domínio público. Não! Ah, mas no Twitter pode, uma hashtag #partiurio2016 no perfil da marca, né? Não. Ah, mas como eles podem ser donos de uma cidade e de um ano? Pois são - ao menos se a marca usá-los para lembrar, mesmo que remota e subrepticiamente, os Jogos Olímpicos. Ah, mas então, sem usar a marca e as expressões, pode tudo? Não, definitivamente, não. Este anúncio aí de baixo, citado na palestra, foi contestado pelo Fifa, que detém os direitos sobre a Copa do Mundo, quando valem regras semelhantes ao caso do COI e as Olimpíadas.  É da Kulula, que se apresentou como a "companhia aérea não-oficial de você-sabe-o-quê", na Copa da África do Sul (2010). 

Assim como as palavras, não tente usar as imagens protegidas. Nem se a sua peça for livremente inspirada em alguma dessas formas. Nem se for só um formato, uma curva, algo que remeta a estes símbolos. Ah, mas minha empresa produz rosquinhas, podemos usar uma foto com o NOSSO produto disposto como os arcos olímpicos? Não! Ah, mas eles protegeram os arcos: nós fizemos umas espécie de "quadrados olímpicos" pra vender nossas esquadrias. Não, não e não!

Veja mais marcas protegidas no site oficial das Olimpíadas. 

Ah, mas Tião, até tu estás violando direitos aí, dando prinstcreen nas marcas, sem pedir pra organização. Bom, não sou advogado, mas, na letra fria da lei, capaz de você ter razão. Porém, não sou alguém importante, não vale a pena pro COI mover a sua estrutura contra atos insignificantes, não concorro com patrocinadores, o teor deste texto é editorial, estou prestando um serviço público, não estou denegrindo o evento... O que isso quer dizer? Que um pouco de bom senso vale. Há aí um fator de graduação, que, na prática, se torna importante. 

Agora, quanto maiores os seus clientes, quanto mais concorrentes forem dos patrocinadores, quanto mais explícita for a sua referência aos jogos, maiores os cuidados que você deve tomar. E basta dizer que pode haver consequências penais e que o custo da infração pode ser proporcional ao valor da marca protegida. O dado que Oliveira Filho lembrou na palestra dá a dimensão do custo possível de um deslize legal: as marcas olímpicas são as segundas mais valiosas do mundo.

As marcas olímpicas valem mais do que a marca Google. Só perdem para Apple.

Antes de ir para a parte boa, vale lembrar mais duas restrições relevantes. Uma delas é a proibição de veiculação de campanhas com atletas ou participantes das competições durante a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos (5 a 21 de agosto e 7 a 18 de setembro, respectivamente). Confira o trecho da chamada Regra 40 da Carta Olímpica.

  • "Salvo autorização da Comissão Executiva do COI, nenhum concorrente, treinador, instrutor ou oficial que participe nos Jogos Olímpicos pode autorizar que a sua pessoa, o seu nome, a sua imagem ou as suas performances desportivas sejam exploradas com fins publicitários durante os Jogos Olímpicos."

E tem mais. Até a mídia em aeroportos do país, não só no Rio de Janeiro, tem restrições, segundo explicaram os palestrantes do evento da Abap/RS. A legislação suspende, entre 5 de julho e 26 de setembro de 2016, todos os contratos publicitários em aeroportos, independente do tempo em que eles foram celebrados. Não entendi como é a aplicabilidade desse dispositivo. Mas tenho uma convicção: se a PriceWaterHouseCoopers, concorrente da patrocinadora oficial das Olimpíadas Ernst & Young, tiver mídia aeroportuária, vai ter de tirar!

Dito tudo isso, não precisamos lembrar que os organizadores estarão de olho no marketing de emboscada: aquelas ações em que as marcas não-patrocinadoras invadem os espaços de um evento em atos cuidadosamente planejados para parecerem fortuitos. 

Esta matéria da Exame tem bons exemplos de marketing de emboscada

Sim, você lembra das loiras que entraram no estádio de roupas diversas, despiram-nas até mostrar um uniforme laranja e, com bandeirolas da cerveja Bavaria, atraíram todas as lentes na Copa de 2010, na África do Sul, patrocinada pela Budweiser. Acabaram detidas, não sem antes virarem case mundial.

 

 

Enfim, a parte boa: o que pode!

Bom, já vimos tudo o que não pode. Mas, afinal, o que pode? A equipe de Oliveira Filho elaborou uma bela lista, com dicas de que assuntos correlatos você pode explorar, tendo o cuidado de não ferir as restrições já mencionadas. Aliás, você nem precisava ter lido este artigo desde o início. Bastava rolar a página até aqui e teria a resposta do que pode, afinal.

  •  o esporte
  • a brasilidade / nacionalismo / patriotismo
  •  a torcida / os torcedores / o ato de torcer
  •  os símbolos nacionais (hino, bandeira, respeitadas as restrições legais)
  • as cores 

Agora vai uma dica pessoal, de um jornalista e empresário interessado pelas coisas do Direito: se o seu cliente não for uma grande multinacional ou se a sua campanha não estiver no intervalo da novela da Globo, explore sem parcimônia esses temas acima.  Se o seu cliente não for concorrente de um patrocinador oficial das Olimpíadas, se você lida com redes sociais e precisa entrar na conversa do momento, arrisque associações indiretas com os Jogos, brinque com situações que virarem notícia ou memes durante as Olimpíadas, fale sobre esportes olímpicos, mas evite a todo custo usar as imagens e termos protegidos. É o que eu faria. Mas lembre: não sou seu advogado. 

Aliás, sequer sou advogado. Então, melhor você consultar esta palestra da advogada Mariana Colombo, da Almap, apresentada em Congresso da ABPI

Mesmo grandes empresas não-patrocinadoras conseguiram se comunicar em períodos de eventos esportivos sem ferir as marcas protegidas e ao mesmo tempo conversando com o clima que costuma tomar conta da população nestes tempos. É o caso da Fiat, por exemplo, que interpretou bem o espírito de um período que culminou em protestos de rua no Brasil, junto com Copa das Confederações 2013. Aliás, o Vem pra Rua! apareceu antes no comercial do que nas manifestações e não era para ter relação com elas - por isso foi tirado do ar pela própria montadora, que o lançou. O importante aqui não é essa polêmica, mas o quanto a empresa conseguiu captar os ares do momento e jogou a campanha no ar, em princípio sem ferir a legislação, mesmo que a patrocinadora oficial do evento fosse a Hyundai.

E, para um fechamento animado, como na palestra da Abap/RS, a melhor parte. Com um pouquinho de criatividade, quem sabe não dá nem pra usar alguma palavra proibida, sem ser contestado? Netflix conseguiu, com a campanha "Netflix na Copa".

Bora deixar a cama de lado e mobilizar a equipe da Cartola e dos clientes para os "jogos"?