Desenvolvimento da redação: aprenda a utilizar exemplos do j
Por: Mateus B.
14 de Março de 2016

Desenvolvimento da redação: aprenda a utilizar exemplos do j

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Exemplos são uma ótima ferramenta para estruturar a argumentação, no entanto, devem ser utilizados do jeito certo para não comprometer a qualidade da sua redação.

Nada mais chato e desanimador do que receber sua redação corrigida com aquela sentença implacável escrita em caneta vermelha: “desenvolvimento fraco/ insuficiente do tema”. Você fica ali, olhando para seu texto tentando entender o que ficou faltando fazer e, muitas vezes, acaba se convencendo de que não tem jeito mesmo para escrever.

Primeiro, vamos reconhecer o problema: se sua nota de redação está baixa por conta do desenvolvimento, uma das causas é que você não está trabalhando adequadamente os argumentos. No post anterior, você aprendeu como definir uma tese a partir do tema proposto. Continue lendo esse artigo: hoje vamos discutir como utilizar o recurso da exemplificação para fundamentar os argumentos.

Um pouco de teoria

De acordo com o linguista José Luiz Fiorin, os exemplos são recursos argumentativos que fazem uma generalização a partir de um caso particular que pode vir a se repetir em outros casos similares. Dessa forma, esse caso específico ajuda a comprovar uma tese. Utilizamos esse tipo de argumentação quando, por exemplo, depois de narrar diversos episódios de assédio e cantadas de rua concluímos que o machismo é naturalizado em nossa sociedade.

Aliás, a campanha #meuprimeiroassédio mobilizou milhares de relatos verídicos que exemplificaram o quanto a violência contra as mulheres é arraigada na sociedade brasileira.

Exemplos de exemplos

Para observamos o uso competente do exemplo num texto argumentativo, vamos ler um trecho de um sermão do padre Vieira, pregador barroco considerado um gênio na arte de argumentar. Nesse trecho, Vieira utiliza como exemplo a fábula do encontro do pirata com o imperador Alexandre para defender a tese segundo a qual o que separa ladrões de imperadores é o poder de cada um deles e, ao fim, a ação ilícita acaba igualando uns e outros:

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim.

— Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. (...) Se o Rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

(VIEIRA, Antônio Sermão do Bom Ladrão (1655). LITERATURA BRASILEIRA: Textos literários em meio eletrônico. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000025pdf.pdf. Acesso em: 12/03/16)

Também na poesia podemos observar o recurso à exemplificação como forma de se validar uma tese. Vejamos esse trecho das Liras de Tomás Antônio Gonzaga, em que o pastor Dirceu pretende convencer a bela Marília de que o homem não tem nenhum controle sobre seu destino e que não há nenhuma garantia da duração da felicidade:

Minha bela Marília, tudo passa;

A sorte deste mundo é mal segura;

Se vem depois dos males a ventura,

Vem depois dos prazeres a desgraça.

Estão os mesmos Deuses

Sujeitos ao poder ímpio Fado:

Apolo já fugiu do Céu brilhante,

Já foi Pastor de gado.

GONZAGA, Tomas A. Marília de Dirceu - Parte I, Lira XIV. Disponível em: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/t/lira14.htm. Acesso em: 12/03/16.

Na segunda metade da estrofe, o poeta insere um exemplo emprestado da mitologia: O deus Apolo, que já cruzou o céu conduzindo o carro do sol, também sofreu os revezes da sorte e decaiu à condição de pastor de gado. Assim, o poeta procura convencer a amada de que a existência humana é insegura, uma vez que até mesmo os deuses estão sujeitos ao Fado, isto é, ao impiedoso destino.

Vamos analisar o uso desse recurso em um artigo de opinião, gênero textual mais similar à redação do Enem e dos vestibulares em geral:

A cultura dominante, hoje mundializada, se estrutura ao redor da vontade de poder que se traduz por vontade de dominação da natureza, do outro, dos povos e dos mercados (...) Praticamente em todos os países as festas nacionais e seus heróis são ligados a feitos de guerra e de violência. Os meios de comunicação levam ao paroxismo a magnificação de todo tipo de violência, bem simbolizado nos filmes de Schwazenegger como o “Exterminador do Futuro”.

BOFF, Leonardo Cultura de paz. Disponível em: http://www.leonardoboff.com/site/vista/2001-2002/culturapaz.htm

Na introdução de seu artigo, o professor Leonardo Boff cita tanto as festas nacionais que celebram a memória de ‘heróis’ que promoveram a violência e a guerra, como os filmes de ação que glorificam personagens violentos para atestar a pertinência de sua observação sobre a cultura que se estrutura na vontade de dominação. Assim, o autor generaliza uma dada percepção da realidade a partir da citação de casos particulares: os exemplos das festas e dos filmes.

Cuidado para não apelar

Fiorin, entretanto, nos alerta para o uso equivocado dos exemplos: quando citamos fatos ou situações para comprovar uma tese já definida previamente, corremos o risco de cair numa generalização não fundamentada. Por exemplo, quando afirmo que todas as mulheres dirigem mal a partir da observação de uma única situação em que vejo uma mulher fazendo uma manobra imprudente no trânsito.

Esse tipo de argumentação não se sustenta por dois motivos: primeiro, porque esse único caso particular não tem um alcance que permita a formulação de uma afirmação geral. Segundo, poderíamos entender que esse tipo de recurso é uma apelação pois, segundo Fiorin, seu objetivo é atingir a emoção, o sentimento e não alcançar a comprovação racional.

Para entendermos melhor essa diferenciação, vamos analisar um trecho de uma reportagem publicada no jornal Zero Hora intitulada: Especialistas respondem: o brasileiro é corrupto?

Em determinado trecho, um dos entrevistados afirma que “em Genebra (na Suíça), por exemplo, as bancas de revistas passam o dia todo sem funcionários. Você pega o seu jornal, deixa o dinheiro lá e vai embora.  Em Estocolmo (na Suécia), Oslo (na Noruega) e Copenhague (na Dinamarca), não há cobradores em ônibus e trens. Pagar a passagem é uma escolha sua. Mas todos pagam”. Esse comportamento dos cidadãos nas bancas de jornal e no transporte público evidenciaria a ausência de corrupção nesses países.

O problema é que tais exemplos, por serem muito pontuais, não são suficientes para garantir que a Suécia, a Dinamarca e a Noruega estariam livres da corrupção. Seria o mesmo que afirmar que, no Brasil, a corrupção é intrínseca ao caráter do povo brasileiro (e, por conseguinte, dos nossos políticos), pelo fato de que muita gente não vê problema em subornar um guarda de trânsito para se livrar da multa, furar a fila ou fraudar o imposto de renda.

Tais explicações são generalizações simplistas de fatos pontuais que acabam apelando para a comoção e, por conta disso, não sobrevivem a uma análise mais crítica. Será que os países europeus citados na reportagem são realmente livres de corrupção? Não haveria mesmo cidadãos e políticos brasileiros honestos, preocupados com a ética?

Dica: para se familiarizar com esse recurso, nada melhor que investir na leitura de artigos de opinião, editoriais e cartas do leitor e textos da literatura. Não faltarão textos que se valem do exemplo como forma de argumentação. Não deixe de observar se o exemplo empregado é realmente eficiente ou se acaba incorrendo em generalização equivocada.

Bons estudos!

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