O preconceito nosso de cada dia” de Jaime Pinsky
Por: Felipe C.
07 de Setembro de 2015

O preconceito nosso de cada dia” de Jaime Pinsky

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, analisa a pesquisa do Historiador Jaime Pinsky[1], sobre seu texto denominado “O preconceito de cada dia”, no qual, o autor, aborda, condutas cotidianas, de piadas e posturas, preconceituosas ignoradas por muitas pessoas e até mesmo por defensores da igualdade racial e religiosa.

Nesse ponto, o texto é totalmente convergente com a realidade social e legal, com a definição de preconceito, consequências de tal conduta, e necessidade de mudanças sociais para melhor adequação e regulação da sociedade.

Sendo assim, baseados nesses conceitos, o estudo do impacto no direito positivo, correlação com os direitos humanos, realidade social e definição do que vem a ser preconceito, se mostram necessários para melhor exploração e resenha do texto em referência.

 

IMPACTO DO DIREITO POSITIVO EM MATÉRIA DE PRECONCEITO

Seguindo a linha de CICERO, onde versa que o homem sensato não precisa de leis, ocorre que atualmente m nossa sociedade, o em tese, baixo índice de IDH, bem como educação e segurança, vem agudizando cada vez mais a tolerância e respeito ao próximo.

Nesse sentidos, questões de cidadania básicas como respeito a gravidas e idosos, necessitam de legislação coercitiva para seu cumprimento quando deveriam ser condutas inatas do cidadão.

No que se refere ao preconceito racial e religioso, não é diferente, com forte agravante da convicção individual de cada um, como bem pontuado pelo Doutor da USP Jaime Pinsky em seu texto publicado no O Estado de São Paulo (20/05/1993) e em seu livro Cidadania e Preconceito de 1993 da Editora Contexto, senão vejamos.:

“(...)a nossa é religião, a do outro é seita; nós temos fervor religioso, eles são fanáticos; nós acreditamos em Deus (o nosso sempre em maiúscula), eles são fundamentalistas; nós temos hábitos, eles vícios; nós cometemos excessos compreensíveis, eles são um caso perdido; jogamos muito melhor, o adversário tem é sorte; e, finalmente, não temos preconceito, apenas opinião formada sobre as coisas(...)”

Como regular, tal situação social em tese “desregulada”? Como vivemos em uma sociedade positiva, onde a lei exerce sobre o indivíduo força coercitiva obrigatória (Vide artigo 5 inciso II da CF), apenas a elaboração de leis e sua fiscalização e cumprimento podem vir a regular e dá um justo cumprimento a tal violação de garantias individuais.

Nesse sentido, é preocupação mundial e americana o combate ao preconceito, ou seja um movimento de todo mundo, para desfazer o que foi fomentado por séculos de escravidão e perseguição religiosa, mas mesmo com previsões legais mundiais e locais, vivemos em convívio com intolerância religiosa e radicalismo (como exemplo do Estado Islâmico) e casos de preconceitos (Como ofensa a cor do goleiro de um time, por um torcedor em rede nacional em Jogo de Futebol).

Necessidade assim, do direito “filho” da História[2], campo do autor do texto, desenvolver mecanismos, para regular tal situação social e intervier na regulação dos conceitos e condutas humanas contrarias a igualdade racial, e religiosa.

Foram assim, editados textos e legislações mundiais como a Declaração sobre Raça e os Preconceitos da OEA, firmada em 27 de novembro de 1978[3], a qual, com base na constituição da UNESCO editada em 16 de novembro de 1945, visa propagar a igualdade racial e proteger o preconceito racial, senão vejamos:

“(...)Consciente do processo de descolonização e de outras mudanças históricas que conduziram a maior parte dos povos anteriormente dominados a recuperar a sua soberania, fazendo da comunidade internacional um conjunto universal e diversificado e criando novas possibilidades de eliminar a praga do racismo e pôr fim a suas manifestações odiosas em todos os setores da vida social e política no marco nacional e internacional, Persuadida de que a unidade intrínseca da espécie humana e, por conseguinte, a igualdade fundamental de todos os seres humanos e todos os povos, reconhecidas pelas mais elevadas manifestações da filosofia, da moral e da religião, atualmente refletem um ideal até o qual a ética e a ciência convergem, Persuadida de que todos os povos e todos os grupos humanos, seja qual seja sua composição e origem étnica, contribuem com suas próprias características para o progresso das civilizações e das culturas que, em sua pluralidade e graças a sua interpretação, constituem o patrimônio comum da humanidade, Confirmando sua adesão aos princípios proclamados na Carta das Nações Unidas e pela Declaração Universal de Direitos Humanos, assim como sua vontade de promover a aplicação destes Pactos internacionais relativos aos direitos humanos e da Declaração sobre o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional,(...)”

 

Curioso, que tal, declaração reconhece as origens colônias dos preconceitos e tenta, combatê-lo entendendo suas origens, contudo mesmo possuindo décadas de sua confecção até hoje infelizmente nos deparamos com episódios de preconceito.

Dada a essa realidade, a legislação interna do Brasil, seguiu a linha protetiva e interventiva, para tentar trazer maior igualdade, e combater as mazelas muito bem pontuadas por Jaime Pinsky, que remontam como também referido na declaração supra, a fase colonial que vivemos.

Foi assim editada, em 5 de janeiro de 1989, a lei 7.716, a qual tratou do crime de racismo, e posteriormente foi alterada pela lei 12.735 de 2012, a qual agravou as penas e estendeu o conceito também para questões religiosas, mas isso não é o bastante pois precisamos, conscientizar e mudar a rotina interna de convivência e trato familiar cumprindo o princípio da igualdade previsto no artigo 1 da Constituição.

 

DIREITOS HUMANOS DA IGUALDADE RACIAL

A Igualdade portanto, é o vetor social e não é à toa, encontra-se prevista em nossa constituição em seu artigo primeiro, e portanto, trata-se de direito humano de primeira geração, a muito explorado pela legislação internacional, que evidencia sua relevância, senão vejamos:

 

A Declaração de Viena, de 1993, em seu parágrafo quinto., dispõe:

 

 "Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais".

 

 

Antes de 1945, quando do surgimento da Organização das Nações Unidas, a proteção dos direitos humanos estava restrita a algumas legislações internas de países. Na Inglaterra, elaboraram-se cartas e estatutos assecuratórios de direitos fundamentais, como a Magna Carta (1215-1225), a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688). Nos Estados Unidos da América, a primeira declaração foi a Declaração de Direitos do Bom Povo de Vírginia (12.1.1776) e a Declaração de Independência (4.7.1776). Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (27.8.1789), de grande influência sobre o pensamento revolucionário da época.

  

Essa última, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, expressava em seu artigo 2º. que

  

" o fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão".

 

 Declarados com veemência no século XVIII, esses direitos, frutos de conquista histórica, evidenciam o objetivo da formação do Estado: assegurar ao povo seus direitos básicos.

  O exercício dos direitos humanos básicos só será possível se o poder originar-se da lei e do povo, que escolhe e participa da definição das funções e objetivos do Estado. Assim, a legalidade e a legitimidade são os pilares do Estado Democrático de Direito, que tem como finalidade precípua a de promover o bem comum, cujos limites devem ser, necessariamente, os fins éticos da convivência.

 

Nessa linha, temos o posicionamento de Cançado Trindade (1997:17), em seu Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, afirma que

 

 "A idéia dos direitos humanos é, assim, tão antiga como a própria história das civilizações, tendo logo se manifestado, em distintas culturas e em momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade humana, na luta contra todas as formas de dominação, exclusão e opressão, e em prol da salvaguarda contra o despotismo e a arbitrariedade, e na asserção da participação na vida comunitária e do princípio da legitimidade".

 

 A partir da instalação da Organização das Nações Unidas, em 1945, e da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a florescer e solidificar-se de forma definitiva, dando origem a inúmeros tratados internacionais objetivando proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, criando-se um sistema global de proteção dos direitos humanos, tanto de caráter geral ou específico.

 

 O reconhecimento da importância dos direitos humanos norteou os constituintes brasileiros na elaboração da Constituição de 1988, em um momento significativo na história do país, quando se voltava a experimentar a democracia e o exercício da cidadania.

 

Pode-se verificar, em diversos dispositivos dessa Constituição, a primazia dos direitos humanos, como em seu artigo 1º e 5º.

 

 

 

REALIDADE SOCIAL E CONCEITUAÇÃO DO PRECONCEITO

A definição lógica de preconceito, seria a formulação de um conceito sobre outra pessoa, onde prevalece a ideia pessoal, sobre qualquer razão.

Ocorre que com a evolução da sociedade, eventos como escravidão e acessão de religiões, o preconceito sustentou grupos de brancos, católicos, ou seja da maioria contra a minoria, sendo excluída essa minoria de forma “preconceituosa” ou seja, sob o conceito pré formulado de inferioridade ou incapacidade, senão vejamos.:

“O mecanismo funciona mais ou menos assim: estabelecemos uma expectativa de comportamento coletivo (nacional, regional, racial), mesmo sem conhecermos, pessoalmente, muitos ou mesmo nenhum membro do grupo sobre o qual pontificamos. Sabemos (sabemos?) que os mexicanos são preguiçosos porque eles aparecem sempre dormindo embaixo dos seus enormes chapelões enquanto os diligentes americanos cuidam do gado e matam bandidos nos faroestes.”

A sociedade evoluiu, tais conceitos permaneceram até hoje, e ainda vemos, a prevalência dessa falsa razão em alguns locais, como o mesmo ocorre no caso de cotas, onde na USP universidade do Historiador Jaime Pinsky, a proporção e negros é de 2%, conforme nos informa outro professor o Doutor Munanga, in verbis.:

 "Do total dos universitários, 97% são brancos, 2% negros e 1% descendentes de orientais. Se por milagre o ensino básico e fundamental melhorar seus níveis para que os alunos desses níveis de ensino possam competir igualmente no vestibular com os alunos oriundos dos colégios particulares bem abastecidos, os alunos negros levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos alunos brancos. Isso supõe que os brancos fiquem parados em suas posições atuais esperando a chegada dos negros, para juntos caminharem no mesmo pé de igualdade. Uma hipótese improvável, ou melhor, inimaginável."[4]

 

Sendo assim, condutas, naturais dos indivíduos, tidas como normais, escondem na realidade preconceitos e fomentam a exclusão social, de negros, e determinadas religiões de forma devastadora para sociedade, constituição e legislação mundial como já referido.

Ou seja, o fomento a piadas, os conceitos pré-formulados, sobre a fase da escravidão que são passados em diante, fomentam e financiam, um agravamento de desrespeitos ao indivíduo, como firmado pelo texto já referido de Jaime Pinsky[5].

Ou seja a cultura popular, deve mudar e se moldar a realidade humana e natural, qual seja, todos são iguais perante a lei e perante ao home, independentemente da cor, religião e qualquer outro meio de dentição, o coração, mente e conjunto biológico são os mesmos e portanto todos seres humanos, como mesmo citado pela bíblia em Mateus22:17:26, ao versar que “e de um só sangue fez toda a geração dos homens”.

Convergente com esse ensaio temos a corrente Habermasiana, ou seja Habermas com o seu “agir comunicativo” e o reconhecimento da força integradora do direito, onde o “sistema jurídico, o processo da legislação, constitui, pois, o lugar propriamente dito da integração social”[6], faz questão de reforçar sempre a importância de todos os cidadãos e da sociedade civil como instrumentos de legitimidade da ordem jurídica. Desta feita, o conceito de direito moderno absorve o pensamento democrático, construído com direitos subjetivos e resgatado “através da força socialmente integradora da ‘vontade unida e coincidente de todos’ os cidadãos livres e iguais”[7]

Não bastam leis sem a sociedade não se conscientizar, fato que vem ocorrendo com novelas, apostilas, e investimento na área social, bem como, uma legislação como tratada no capítulo anterior, mais protetiva de tais garantias e sim, como muito bel ressaltado por Jaime Pinsky, uma “alteração” na cultura que banaliza, certas condutas preconceituosas e fomentadoras de preconceitos.

 

CONCLUSÃO

Partindo da premissa da igualdade, constitucional esculpida no artigo 1º da Constituição, bem como na igualdade natural e todos os seres humanos, e do histórico de escravidão, preconceito racial e religioso, não resta dúvidas que mudanças, cotidianas como proposta por Jaime Pinsky, em combater dentro de casa, piadas e condutas, raciais, rotineiras, além de respeitar a legislação racial, mundial, são deveres de todos, para um melhor desenvolvimento humano igualitário e isonômico de nossa sociedade

[1] Historiador, doutor e livre docente pela USP – gentilmente autorizou a reprodução deste texto, que foi originalmente publicado em O Estado de S. Paulo (20/05/1993) e no livro Brasileiro(a) é assim mesmo – Cidadania e Preconceito, 1993, da Editora Contexto (www.editoracontexto.com.br).

[2] (…) “o Direito não é um filho do céu, é simplesmente um fenômeno histórico, um produto cultural da humanidade. Serpes nisi comederit serpentem nom fit draco, a serpente que não devora a serpente não se faz dragão; a força que não vence a força não se faz direito; o direito é a força que matou a própria força(...)”Apud Djacir Menezes – Filosofia do Direito, Ed. Rio, 1974, pág. 120 (In DE BARROS, Humberto Gomes, Pontes de Miranda, o Direito como ciência positiva,Disponível em http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/9499 Acesso em 12 de maio de 2012

[3]Disponível em.:http://www.oas.org/dil/port/1978%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20Ra%C3%A7a%20e%20Preconceitos%20Raciais.pdf

[4] MUNANGA, Kabengele. Políticas de Ação Afirmativa em Benefício da População Negra no Brasil - Um Ponto de Vista em Defesa de Cotas. REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, Ano II, nº 22, Março de 2003. disponível em: http://www.espaçoacademico.com.br. Acesso em: 03 dez. 2004.

[5] “(...)São nos detemos em analisar a questão um pouco mais a fundo. Não nos interessa estudar o papel que a escravidão teve na formação histórica de nossos negros. Pouco atentamos para a realidade social do povo mexicano e de como ele aparece estereotipado no cinema hollywoodiano. Nada disso. O importante é reproduzir, de forma acrítica e boçal, os preconceitos que nos são passados por piadinhas, por tradição familiar, pela religião, pela necessidade de compensar nossa real inferioridade individual por uma pretensa superioridade coletiva que assumimos ao carimbar “o outro” com a marca de qualquer inferioridade. Temos pesos, medidas e até um vocabulário diferente para nos referirmos ao “nosso” e ao do “outro”, numa atitude que, mais do que autocondescendência, não passa de preconceito puro.(...)”

[6] HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Edições Tempo brasileiro, 1984.

[7] Obra supra citada p. 52.

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